Manuela Ramos
“Doutora, ainda bem que apareceu a senhora, porque eu tenho dez (10) dietas lá em casa, e nenhuma presta. As nutricionistas são horríveis”.
Nós poderíamos iniciar essa conversa falando sobre diversas vertentes ligadas à nutrição. No entanto, vim aqui convidá-los a fazer um breve passeio sobre o mundo que eu percorri como profissional, nesses temas, e sua aplicabilidade na vida das pessoas. Peço a você que, junto comigo, possamos pensar em propostas sobre uma nutrição aplicada à sua realidade. Como eu, realmente, posso te ajudar?
Quando iniciei a faculdade de nutrição, em 1992, ficava encantada com a possibilidade de entender como funciona nosso organismo. Pensava em como o alimento iria constituir o nosso corpo. Vi muita bioquímica, fisiologia, fisiopatologia. Algumas aulas relacionadas à saúde pública. Uma disciplina de psicologia. Confesso que, naquele momento, as pessoas iam se transformando em um conjunto de reações químicas, e eu, cada vez mais querendo entender aquele mundo. Fiz iniciação científica em bioquímica, segui o fluxo, indo parar no mestrado/doutorado em Fisiologia Humana, na USP. Fui para estudar suplementação e câncer.
Cada vez mais, eu estudava muita bioquímica. Sabia muito de nutrição, do funcionamento do organismo, de fisiologia e a dita bioquímica. E Isso tudo é, sim, muito importante, mas, para mim havia um longo caminho até os indivíduos, eu queria chegar mais perto.
Dei muitas aulas de Fisiologia Humana em universidades, até que, em 2005, em Fortaleza, recebi o convite da Professora e psicóloga Ângela Andrade, para estruturar e criar o projeto de extensão PRONUTRA, Programa de Nutrição aos Transtornos Alimentares e obesidade, da Unifor – Universidade de Fortaleza. E foi lá que comecei a deixar os ratos, sapos e células de lado, e comecei a ouvir pessoas. Desde então, quando comecei a ouvir aquelas falas, nunca mais consegui deixar de ouvi-las. Entendi que existe muita coisa para além da comida ou do peso, da Fisiologia ou Bioquímica, ou até mesmo da própria nutrição. Percebi, dentro do contexto da nutrição, que o ato alimentar é um ato relacional, que há um elo entre os alimentos e os sentimentos.
Também trabalhei no IPREDE, onde acompanhei a mudança de um Instituto de Prevenção à Desnutrição, ao Instituto de Desenvolvimento Humano. Trabalhei com desnutrição e, na época, com crianças obesas e suas famílias. Tive a oportunidade de estudar, na instituição, sobre desenvolvimento humano e outros projetos relacionados. Fui conhecer muitas moradias dessas famílias, que são completamente carentes. E as falas que eu ouvia, só iam se multiplicando, e ficando mais complexas. Agora teríamos que auxiliar as pessoas no desenvolvimento de competências relacionadas à mudança de hábitos alimentares, assim como no Pronutra, mas aqui tudo ficou bem mais complexo: autoconhecimento, auto-estima, autoconfiança, visão confiante de futuro(?), sentido de vida(?), plenitude(?), reconhecimento do outro, convívio com a diferença, comunicação, interação, resolução de problemas, leitura e escrita (?). As pessoas não entendem o que você está falando. Aprender a aprender? Sim! São também objetivos!
Com uma equipe interdisciplinar, com uma nutrição focada na escuta, na empatia; com ações assistencialistas? Também! Fui parar em um doutorado em Psicologia – Desenvolvimento humano, na UNB. Por incrível que pareça, era muita matemática, mas isso é outra história.
Assim, para além da academia e com minha experiência de vida, segui percebendo corpos psíquicos, sociais, físicos, mentais, emocionais e espirituais. Seres que, muitas vezes, manifestavam seus limites de suportabilidade, por meio de sintomas alimentares, alguns utilizando canais de expressão oral e corporal, como uma maneira de manifestar conflitos e dificuldades emocionais. Por meio de aspectos como oralidade, voracidade, impulsividade, compulsividade, transgressão, agressividade, passividade, dentre outros, podia-se tentar compreender as relações que o corpo estabelecia com o mundo exterior. Sem delimitações de inclusão, exclusão e sem uma identificação do que é meu e o que é do outro, a realidade e seus próprios afetos, assim como as relações com os alimentos, tornam-se complexas e angustiantes.
O profissional, mesmo com todo esse conhecimento, se vê amarrado diante da complexidade do que o outro trás.
“Nos primeiros dias, foi mais difícil. Final da primeira semana, eu estava confusa. No final de semana, foi mais difícil. Comi docinhos num churrasco, só 3, foi um avanço, mas com muito sofrimento. Me senti feliz ao levar a lancheira com temperos para o trabalho, mas desconto minhas raivas na comida. Gosto de comer. Associo a comida a todos os sentimentos, felicidade, impaciência.”
Daí trazermos, também, essa responsabilidade para você. E a consciência de que caminharemos juntos, pensando na sua realidade, na sua vida, em toda sua amplitude.
Fisiologicamente, se pensarmos que impulsos irresistíveis podem tornar-se compulsivos, vindos de pensamentos que não conseguem ser habilmente afastados da mente; que obsessões, em condições patológicas, perturbam a vida, tornando-se estímulos constantes; que nossos comportamentos tornam-se automáticos pelas repetições, e que esses, tornar-se-ão, muitas vezes, nossos hábitos diários, como o de escovar os dentes. Se pensarmos que nosso cérebro regula o comportamento motivado classificando nossas ações em boas ou ruins, e, fazendo, assim, milhões de associações, muitas vezes não por alterações estruturais, mas por excesso de ativação, podemos concluir que esses estímulos constantes, compulsivos, repetitivos, relacionados à comida, poderão virar um hábito. Ou seja, para reverter a formação de um hábito, teremos que começar pela sua auto observação.
Você acredita na existência de um caminho de autoconhecimento, quando falamos de alimentação? Quais suas relações de afeto, emoções, desejos, fantasias, quando falamos de alimentação?
Voltamos a tal escuta que falei anteriormente, mas que, agora, está relacionada ao seu corpo. Você terá que ouvir o seu corpo em todos os seus contextos, para chegar ao tão sonhado e tirano peso ideal, ou qualquer que seja seu objetivo relacionado à nutrição.
Aí retornamos para aquele profissional Nutricionista, o mesmo a quem demos o poder de modificação de nossos hábitos. E chegamos lá entendendo que tudo parte de nós, de como nos vemos, nos observamos, nos escutamos. De como a relação entre comida e corpo perpassa pelo auto-cuidado, pela conexão consigo mesmo. Preciso da sua ajuda para entender a sua verdadeira motivação, assim, as dietas não serão mais acumuladas. Você saberá diferenciar fome física, de fome emocional. Você se libertará da tirania das dietas, comerá intuitivamente, com atenção plena, se reinventará. E o profissional fará uma verdadeira Terapia Nutricional, tendo como objetivo a criação de um conceito positivo para com o alimento, mobilizando o melhor de nós, para lidar com nossas escolhas. Será um sucesso!
“A experiência de comer devagar foi ótima, me senti saciada e só comi a metade do chocolate, estou feliz!”
Cliente após uma vivência sobre comportamento alimentar.
Manuela Ramos é nutricionista, doutora em Fisiologia Humana pela USP e doutoranda em Psicologia – Desenvolvimento Humano pela UNB.
Não está exercendo no momento nenhuma dessas atividades.