Por Roberta Bonfim
Sou jornalista, antes disso, sou “gente do teatro” e tudo que eu sabia sobre artigos eram que eles poderiam ser de reportagem, crônica, narrativa, um texto de opinião. Assim, aprendi e executei, li e vivi durante uma vida. Artigos essencialmente opiniosos, normalmente gostosos de ler e não como um padrão, mas normalmente curtos. Estamos aqui falando de um artigo que entra no espaço midiático de massa, que precisava caber dentro do que o editor e o diagramador te oferecem de toques/espaço..
Na minha realidade atual de ser mais uma vez acadêmica, descubro caminhos metodológicos de pesquisas, tento construir um que caiba a mim e a pesquisa, conheço pessoas, leio um tanto, ouço outro mais. Aprendi também sobre mim, na observação dos outros em pequenas janelas que nada dizem e ouço falas potentes e outras completamente vazias, ouço atrocidades e respirou fundo buscando entender, como vivemos nessa sociedade micro e macro que mais parece uma grande feira de vaidades e posses. E é neste universo que tenho reencontrado a filosofia, a sociologia, a psicologia, a comunicação e as infinitas artes. Vivo no universo acadêmico, ao tempo em que realizo a Lugar ArteVistas – arte onde estiver, onde nós, diversos, conversamos com outros diversos. E aprendo, duplamente, isso para além do aprendizado de viver com uma criança de três anos em casa, colocando na prática todas as filosofias em gestos grandiosamente simples e imensos em símbolos. E por falar em símbolo estamos envoltos em quantos?
Se há um perigo comprovado pela história, são os discursos únicos que nos emburrecem, e nos cegam da forma mais cruel, e nos faz crer que precisamos caber.
Esses dias mesmo conversando com a indigena Telma Tremembé (PACHECO, 2021) que acaba de lançar um livro sobre as histórias a partir da sua e de suas ancestrais, é categórica ao dizer que não houve descobrimento do Brasil, o que houve foi uma invasão, agressão, escravização e roubo de terras originárias. E mesmo hoje celebramos e é feriado o marco da agressão, que o discurso único nos fez crer em descobrimento. E fala isso com a plenitude de quem já sofreu todos os tipos de agressão e aprendeu a superar. Pois imagina viver em um estado que nega a sua existência enquanto povo. É o que acontece no Ceará, o estado ainda nega a existência dos indígenas que lutam em retomada. O que fica claro por exemplo na série de cinco papos que estão entrando no canal Lugar ArteVistas aos domingos deste mês de abril que é o Noda de Caju, onde indígenas conversam com indígenas a fim de fortalecer as redes e o conhecimento entre os parentes, como se chamam.Tem ainda a fala de Cacique Pequena, de Aquiraz que nos pede união, de Teka ao falar da importância da língua indigena que ela estuda e busca passar o conhecimento aos seus. É nítida a diferença de fala e postura entre indígenas que cresceram dentro de seus símbolos e signos, dos que foram criados nas cidades, mas mantém-se indignas, mas sem conhecimento sobre seus signos e símbolos perdem significado. Guajajara nos conta que falando sua língua e o portugues era tida como se falasse só um idioma porque o seu de matriz não é reconhecido em seu país, que chamamos Brasil.
E se primeiro explano sobre essas trocas, é porque o que viveram e vivem os indígenas é a prova da teoria da biopolítica, percebida e explicada por Foucault, onde há estratégias de manutenção da vida, mas também da morte. O que fica claro com a fala de Duarte (2007, p.04):
[…] tal cuidado da vida de uns traz consigo, de maneira necessária, a experiência contínua e crescente da morte em massa de outros, pois é apenas no contraponto da violência depuradora que se podem garantir mais e melhores meios de sobrevivência a uma dada população. Não há, portanto, contradição de gerência e incremento da vida e o poder de matar aos milhões para garantir as melhores condições possíveis: toda biopolítica é também, intrinsecamente, uma tanatopolítica.
Ao reproduzir Duarte, a reflexão sobre o que vivemos enquanto população no mundo, mais especificamente no Brasil, com um chefe do executivo sendo um genocida assumido que não ver qualquer problema nisso e por mais que não simpatize minimamente com ele, não o culpo como indivíduo pelas estruturas criadas no nosso país o terem feito assim. E ele não prometeu fazer diferente disse, e os poderosos que mandam no país e ditam as regras seguem sendo consumidos e enriquecidos. E as igrejas que sempre foram fundamentais no processo de colonização seguem fazendo seu trabalho. Além de que fomos nós nesse coletivo de existir em sociedade, que direta ou indiretamente o colocou ali, muitos vendo-o como o salvador, o Messias, ao meu ver, é o personagem perfeito para deixar o Brasil com toda potência que tem, no lugar de colonizado que ensaiava sair.
E uma massa humana morre diariamente, as terras amazônicas estão sendo devastadas a olhos nus. E a metáfora dos Índios que troca a alma por um espelho segue. E estejam atentos que a metáfora é dos Índios, que agora somos todos nós, não do Indigenas. E a pergunta é, quem tá ganhando com isso?
E aqui cabe conceitualizar este exemplo da necropolítica a partir da alta taxa de mortalidade em ambientes de cárcere, ou das favelas, e em tempos pandêmicos, onde a vida seria ganha no dia e não há comida, onde o isolamento se torna quase impossível, o que aumenta as taxas de infecção, mas também nas ruas onde não há estruturas mínimas.
Então volto aos símbolos colocados na vivência indigena, mas que veste a todos nós, nossos símbolos, são nossas referências espaciais, inclusive de existência, identidade, territorialismo, ambientação, a quebra desses símbolos, é a quebra desse ser, que precisa exercitar o perene estado de reconstrução. Que história nos veste das quantas que em absoluto desconhecemos.
E (MBEMBE, 2003/2018) pontua que essa destruição pela forma simbólica se dá, quando o indivíduo se percebe descartável, o que acontece por exemplo em estado de cárcere, no dentro do sistema capitalista que te repete a todo momento que você é facilmente substituível, e de forma ainda mais cruel, quando são negligenciados direitos constitucionais básicos de saúde, educação, assistência social, segurança, saneamento básico, dentre outras coisas, gerando um estado de precariedade, somada a uma pandemia, estamos aqui falando de uma calamidade pública, em meio a uma crise sanitário, com um desgoverno e sem plano de direcionamentos para sairmos dessa. E um sorriso no rosto que não cabe no rosto do presidente de um país, que vive o que o Brasil tem vivido em tempos atuais. Mas, que de acordo com Mbembe, com a diminuição do orçamento de políticas públicas, o sistema social permite-se escolher suas vítimas gerando efeito de intersubjetividades cotidianas contemporâneas. Então, esse sorriso não é novo, nada o é, nem nossas vozes.
E em meio às tragédias sociais e mortificação da memória social coletiva, trazendo falas hegemônicas, como verdades absolutas, nós percebemos adoecidos, mas está difícil ainda aceitamos que somos adoecedores, devastadores, que se estamos aqui estamos executando o poder de saber. E a questão permanente é o que fazemos com isso?
Lembro agora de um texto muito reproduzido nas redes sociais, que dizia “Nenhum Direito a Menos”. E essa talvez seja a batalha cotidiana de todos nós neste momento. Garantir a não exclusão do máximo de direitos sociais já conquistados a partir de muito sangue, suor, trabalho e vidas. Pois somos humanos, racionais que reagimos ao mundo a partir das vivências pessoais, mas é a partir dos contexto sociais, ambientais e mesmo urbanos das estruturas de poder que existimos e nos relacionamos com quem nosso no mundo. Mas há genuinamente a necessidade de ser útil, ou deveria.
E para fechar este texto com gancho no começo, afirmo que em meio às teorias humanas que nos mostram ou constroem como competidores, no contexto dual das culturas ocidentais e nas feiras de vaidades que por vezes sufocam no ambiente acadêmico, quando há mais autores que contexto, o que deve ter seu papel. O fato é que Achille Mbembe, que conheci neste texto, e assumir minha ignorância, mas me justifico por ser nova nesse universo apresenta reflexões e questões importantes e urgentes e de certo vou visitá-lo logo que possível para saber mais sobre suas vivências e estudos compartilhados.
Concluo refletindo que mesmo quando buscamos o global, é a partir do nosso lugar de existir, que o percebemos e nos percebemos a partir dele, e a fala vem depois.
E você qual o seu Lugar?