Brasil: subjetividade e sociedade em tempos de pandemia

Por Paulo Germano Barrozo

Nesses tempos de pandemia, muito se tem falado sobre as consequências políticas, econômicas e sociais das medidas adotadas para conter a propagação da doença. Muito se tem falado também sobre as consequências psicológicas e a ansiedade e a depressão encabeçam a lista de sintomas psíquicos. 

A ansiedade parece ser uma companheira inevitável da Modernidade e mais ainda da Pós-Modernidade. Um mundo em constante movimento e transformação faz do desassossego, faz da experiência do desamparo, uma experiência cotidiana. A pandemia aprofundou essa experiência do desamparo. A ausência de solidariedade e a indiferença desavergonhada ganharam visibilidade. Os laços sociais se mostraram frágeis para ajudar na travessia desse período. E isso nos fez pensar no que somos como nação, como povo. Nos faz pensar sobre as imagens que criamos sobre nós mesmos: um povo alegre, feliz e acolhedor. 

Paulo Prado, com seu Retrato do Brasil, publicado em 1928, e que trazia o subtítulo “ensaio sobre a tristeza brasileira”, causa estranheza, até hoje, aos que compartilham a ideia do “povo alegre”. Nos faz perguntar: desde quando somos o povo alegre? Paulo Prado afirmava:“o fato é que há povos alegres e povos tristes”. E o autor não nos colocava na coluna dos alegres. E continuava: “no Brasil, o véu da tristeza se estende por todo país (…)” e, ao se referir ao caráter brasileiro, falava da “taciturnidade indiferente ou submissa do brasileiro”. 

Capa do livro Retrato do Brasil, de Paulo Prado

Nesse mesmo ano, Oswald de Andrade lançava seu Manifesto Antropófago e, nele, o poeta propunha seu critério para a avaliação de uma sociedade: 

“A alegria é a prova dos nove”.   

E dizia que nossa história era marcada pela perda da felicidade:  

“Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade” 

Desde a descoberta, perdemos a felicidade.  

Desde a descoberta, perdemos a felicidade? 

Capa do livro Manisfesto antropófago e outros textos – Oswald de Andrade

Freud, em seu livro Mal-estar na civilização, afirmava que nossa felicidade é um fenômeno episódico. E acrescentava: “nossas possibilidades de felicidade são restringidas por nossa constituição”. Já a experiência da infelicidade e do sofrimento possui fontes permanentes: o próprio corpo, a natureza e as relações humanas. Para o inventor da psicanálise, o “programa de ser feliz” é irrealizável. Ele não acreditava em uma ideia única de felicidade e defendia que “cada um tem que descobrir a sua maneira particular de ser feliz”. Mas também sabia que uma sociedade que não cria condições para essa descoberta está fadada ao fracasso. Uma sociedade que não cria as possibilidades dessa descoberta particular não está a serviço do “divino Eros”, mas se entristece com a propagação das pulsões de morte. 

Capa do livro O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930 – 1936), de Sigmund Freud

A formúla do antropófago permanece: 

“A alegria é a prova dos nove”. 

Colaborador/convidado das sextas: Paulo Germano Barrozo de Albuquerque é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente é coordenador do curso de Psicologia do Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7) e professor do mestrado em Direito Privado da mesma instituição. Além de ser um estudioso dos campos da Psicologia social de temas como o racismo e as construções das relações de gênero; e Psicologia jurídica nas questões voltadas para família. Ele também mais um dos apaixonados pela literatura de Clarice Lispector. 

Deixe um comentário